Pressão da oposição leva à renúncia de Evo Morales

Morales permaneceu no poder por 13 anos

11/11/2019 07H50

Pressionado pela oposição, pelas Forças Armadas e por três semanas de intensos protestos no país, Evo Morales renunciou à Presidência da Bolívia nesse domingo (10 de novembro) depois de 13 anos no poder. 

Em um pronunciamento transmitido na televisão a partir da cidade de Cochabamba, o agora ex-presidente boliviano disse ter sido vítima de “um golpe cívico, político, policial”.

“Não roubei nada. Se acham, apresentem uma prova. Meu pecado é ser indígena, dirigente sindical, cocaleiro. Quero pedir desculpas por ter sido exigente durante o trabalho. Não foi para Evo, foi para o povo boliviano. Aqui não termina a vida, segue a luta”, disse ele, encerrando a fala.

À noite, em uma rede social, Evo disse haver uma ordem de prisão contra ele e que grupos violentos haviam atacado sua casa. “Os golpistas destroem o Estado de Direito.”

O anúncio de Evo foi sucedido por uma série de renúncias. O vice-presidente, Álvaro García Linera, que ficou ao lado de Evo durante o pronunciamento, o presidente da Câmara, Victor Borda, e a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, deixaram seus cargos, além de dois ministros do governo.

Com a renúncia de Salvatierra, a Bolívia caiu num vácuo de poder. Segundo a Constituição, em caso de renúncia do presidente, assume o vice. Na ausência deste, quem fica em seu lugar é o presidente do Senado. Caso este também esteja ausente, a atribuição cabe ao presidente da Câmara. E aí devem ser convocadas as eleições em prazo máximo de 90 dias.

Mas, no caso da Bolívia, todos esses renunciaram. Em entrevista a uma TV boliviana, a opositora Jeanine Añez, segunda-vice-presidente do Senado, afirmou que vai convocar uma reunião nesta segunda-feira (11) e assumirá a Presidência com o único objetivo de convocar novas eleições. O primeiro-vice-presidente do Senado também renunciou.

No entanto, não está previsto na Carta que a sucessão se daria dessa maneira. O governo brasileiro avalia que ainda não está claro se há base legal para reconhecer a legitimidade de Añez. O governo brasileiro não vai se pronunciar, pois está aguardando o Tribunal Constitucional se posicionar.

Além disso, Añez reconhece que não sabe se contará com a presença dos senadores do partido de Evo, que seria necessária para garantir o quórum da assembleia que permitiria a ela se declarar presidente e convocar eleições.

A crise que desemboca agora na renúncia do primeiro líder indígena da história do país não começou recentemente e tem raízes no ano de 2009.

Naquele ano, uma nova Constituição foi aprovada, e Evo passou a defender que, apesar de já ter governado por dois mandatos, poderia disputar a Presidência mais uma vez porque seu primeiro termo ocorreu antes da nova Carta.

Reeleito outra vez após o Tribunal Constitucional aceitar o argumento, recorreu a um referendo em 2016 para obter o direito de disputar as eleições pela quarta vez consecutiva. Evo, no entanto, foi derrotado nas urnas, mas não aceitou o resultado. Usou então outra artimanha para concorrer.

Segundo ele, a cláusula da Constituição que garante a todo boliviano o direito de se candidatar à Presidência respaldaria sua vontade de disputar o cargo e, caso não pudesse participar da corrida eleitoral, seus direitos estariam sendo desrespeitados.

Ainda que tenha contrariado a população, a proposta convenceu juízes, que o autorizaram a disputar as eleições que marcariam sua renúncia.

Na noite do dia 20 de outubro, o órgão responsável pela apuração, com 80% das atas apuradas, divulgou os números do sistema de contagem rápida. O resultado levava à disputa de um segundo turno entre Evo e o opositor Carlos Mesa.

Três horas depois, porém, essa contagem foi interrompida por 24 horas, enquanto ocorria a apuração voto a voto. Quando por fim foram anunciados os novos dados, Evo aparecia à frente por pouco mais de dez pontos percentuais de vantagem, o que dava a ele a reeleição já em primeiro turno.

As acusações de fraude geraram manifestações que já deixaram três mortos e mais de 300 feridos nas principais cidades da Bolívia, e a pressão nas ruas fez com que o governo aceitasse uma auditoria da contagem pela OEA (Organização dos Estados Americanos).

Os resultados da verificação seriam divulgados apenas em 13 de novembro, mas foram adiantados “por conta da gravidade das denúncias”, de acordo com Luis Almagro, secretário-geral do órgão, em um comunicado no qual pedia que a eleição de outubro fosse “anulada e que o processo eleitoral comece novamente”.

Na manhã deste domingo, então, Evo convocou uma nova eleição. Em vez de arrefecer a tensão no país, no entanto, o anúncio teve o efeito inverso.

O comandante das Forças Armadas, Williams Kaliman, fez um pronunciamento na TV à tarde, em que sugeria a Evo renunciar para pacificar as ruas.

Por volta das 17h (horário de Brasília), o avião presidencial boliviano decolou do aeroporto de El Alto, próximo a La Paz, onde o presidente estava desde a manhã, alimentando especulações de que ele poderia estar deixando o país.

Mas a aeronave aterrissou no aeroporto de Chimoré, perto de Cochabamba, um reduto político de Evo e a partir de onde fez o anúncio da renúncia.

A declaração do comandante das Forças Armadas é a ponta final do movimento de pressão das forças de segurança do país. Na sexta (8), unidades da polícia de cidades de todas as regiões da Bolívia se rebelaram e deixaram de reprimir os opositores que exigiam a renúncia do presidente.

Em um episódio simbólico do nível de tensão em que o país se encontra, a prefeita governista da cidade de Vinto —vizinha a Cochabamba— foi humilhada publicamente por transportar camponeses apoiadores de Evo para confrontar manifestantes.

Arce Guzman teve o cabelo cortado, foi pintada de rosa e obrigada a andar descalça por vários quarteirões em meios aos gritos de “assassina! assassina!”. Além disso, a sede da prefeitura local foi incendiada.

A renúncia de Evo ocorre em meio a uma onda de manifestações contra governos na América do Sul. Ainda que as crises de cada país tenham suas particularidades, os líderes de Equador, Chile e, agora, Bolívia sofreram derrotas significativas.

No Equador, o presidente Lenín Moreno foi obrigado a recuar do corte de subsídios a combustíveis que existiam há 40 anos. A medida, parte de uma política de austeridade provocada por um acordo com o Fundo Monetário Internacional, aumentava consideravelmente os preços de diesel e gasolina no país e puxou outras demandas anteriores e questões indígenas.

No Chile, o aumento das tarifas de metrô desencadeou uma reação que ainda não terminou. Os protestos, que já deixaram ao menos 20 mortos e deixou milhares feridos, abraçaram outras demandas contra a desigualdade social no país e pressionam Sebastián Piñera, que foi obrigado a tomar uma série de medidas para aplacar os atos.

Agora, Evo, o líder sul-americano há mais tempo à frente de um país na região, cai na Bolívia. Se há diferenças entre os casos, a renúncia do presidente mostra que crises fermentadas há anos na América do Sul degringolaram todas em 2019.

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